06/12/23

"A Véspera e o Dia Seguinte"

 

Li a entrevista de Mário Tomé no "Expresso" e embora seja de esquerda, não comungo de uma boa parte dos seus pontos de vista sobre o 25 de Novembro. 

Hoje digo, felizmente, que tinha apenas 13 anos no final de 1975. Isso permite-me ter o distanciamento necessário para fazer uma leitura e análise, mais profunda,  e também mais livre, sobre este dia, difícil de classificar.

Um dos meus melhores amigos nos últimos vinte anos era um "Capitão de Abril" (Carlos Guilherme), que embora pertencesse ao Movimento dos Capitães, no dia 25 de Abril de 1974 estava a terminar mais uma comissão, em Angola (que se prolongou no tempo, graças aos gritos revolucionários que se seguiram depois do 26 de Abril, de "nem mais um soldado para Angola"...). Mas no 25 de Novembro já estava entre nós e fez parte do comando de operações. Conversámos muito sobre os momentos mais importantes da Revolução (do 16 de Março ao 25 de Novembro).

Mas o que quero destacar é o testemunho que recebi dos principais intervenientes nestas duas datas histórias, durante os almoços promovidos pela Associação 25 de Abril, que tinham um convidado especial (Carlos Guilherme fazia questão de me convidar e estive presente em mais de meia-dúzia deles...), que depois nos brindava com uma palestra - normalmente era um "Capitão de Abril". Como devem calcular, os temas apresentados eram sempre pertinentes,  e tinham a vantagem de no final, serem debatidos e contrariados (se fosse caso disso...) pelos presentes, que também tinham sido "actores" nos mesmos "teatros de guerra".

Sobre o 25 de Novembro, escutei mais que uma intervenção. Não esqueço o testemunho do responsável pelo Forte de Almada, que na época era uma unidade militar. Ele pertencia à facção mais esquerdista dos militares, mas mesmo assim, obedeceu às ordens que recebeu de Otelo, para não distribuir armas a ninguém, nem que para fosse necessário colocá-las em celas fechadas e fazer desaparecer a respectiva chave. Nesses dias quentes houve várias manifestações populares no exterior do quartel (com tentativas de invasão do Forte...), organizadas pela extrema-esquerda.

Percebi através do testemunho de Otelo que, o que estava verdadeiramente em causa era a eclosão de uma guerra civil. O que os militares queriam evitar a todo o custo (tal como acontecera com a Revolução de Abril...), era o derramamento de sangue de gente inocente.  Foi por isso que ele acatou as ordens do Presidente da República, o general Costa Gomes, ordenando às  unidades que ainda lhe eram fiéis, para que não saíssem para a rua (com relevo para os fuzileiros e para os pára-quedistas, os únicos com capacidade para derrotar os comandos...) nem reagissem a provocações.

Há muito quem chame cobarde ao Otelo (especialmente as pessoas da extrema-esquerda). Eu tenho cada vez mais dúvidas de que o seu posicionamento no 25 de Novembro, seja o de um homem cobarde.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

Nota: texto publicado no dia 26 de Novembro no blogue "Largo da Memória", por Luís Eme.


29/04/23

«Carlos Guilherme: "Um Capitão de Abril" Verdadeiramente Incrível»


Foi publicada este mês no boletim, "O Incrível", a biografia de Carlos Guilherme Sanches de Almeida, da autoria de Luís Milheiro intitulada: Carlos Guilherme: um “Capitão de Abril” Verdadeiramente Incrível, que publicamos com a devida referência.

«Carlos Guilherme Sanches de Almeida deixou-nos no começo do ano, a 8 de Janeiro, depois de ter passado os seus últimos anos de vida afastado da sua Incrível e dos seus amigos, por motivos de saúde. Para tristeza sua e de todos nós.

Embora quase toda a gente o conhecesse por Carlos Guilherme, na Incrível era normalmente tratado como “Coronel”, a patente militar que tinha, quando se reformou do Exército. Este tratamento também se devia à forma muito “sui-generis” como comunicava e expressava a amizade que sentia, por todos aqueles que considerava amigos.

Filho de António Henriques, músico, dirigente, historiador e o grande guardador de memórias da nossa Colectividade, Carlos cresceu com a Incrível de presente no seu dia-a-dia, ao ponto de Ela quase poder ser confundida com uma “religião”. Esta forma de sentir e de viver a Incrível, não só era normal nessa época, como era partilhada por todos aqueles que se sentiam verdadeiros Incríveis.

Ainda na adolescência Carlos descobriu o andebol e o Almada Atlético Clube, onde acabaria por se destacar como atleta, chegando em pouco tempo à equipa principal do Clube. O Almada passou a ser o seu “mais que tudo” no associativismo almadense, ao mesmo tempo que a Incrível era relegada para um plano secundário. Seguindo o exemplo de outras grandes figuras do clube, além de atleta, Carlos foi também treinador e dirigente deste baluarte desportivo da Cidade.

Depois de concluir os estudos secundários candidatou-se, com êxito, à Academia Militar, onde o Carlos Guilherme foi rapidamente substituído pelo Sanches de Almeida. Esta sua opção pela vida militar faz com que apanhasse a Guerra Colonial pelo meio e tivesse de combater na então “África portuguesa”. Anos mais tarde, consciente da situação política que se vivia em Portugal, aderiu ao Movimento dos Capitães. Quando se deu a Revolução de Abril estava em Angola, a completar mais uma comissão de serviço. Devido ao começo de uma guerra civil, que se prolongaria no tempo, ficará mais tempo do que o previsto em África, acabando por ter um papel importante na “ponte aérea” que se fez, para trazer de volta uma boa parte dos portugueses que viviam nesta colónia, a caminho da independência.

Todas estas mudanças de rumo na sua vida, provocariam um afastamento, quase natural, da Incrível. Afastamento que acabaria por se prolongar no tempo. Seriam quase trinta anos de ausência…

Só em 1991, com a publicação e apresentação do primeiro dos oito volumes publicados sobre a História da Incrível (“A Incrível no Limiar dos 150 Anos”) da autoria de seu pai, António Henriques, é que Carlos Guilherme regressou à Incrível, ainda que de uma forma episódica….

Felizmente em 1998 iriam ser comemorados os 150 anos de vida da Incrível Almadense e esta data festiva acabaria por se revelar decisiva para o regresso, cada vez mais efectivo, do Carlos à sua Incrível. Isso só foi possível graças a Orlando Laranjeiro. O Orlando quando foi escolhido para coordenar as Comemorações, lembrou-se dele e da sua herança familiar, fazendo questão de contar com a sua presença na Comissão das Comemorações dos 150 anos da Incrível.

Felizmente para todos nós, Carlos Guilherme não se limitou a ser o “filho de António Henriques”. Foi ele próprio. Demonstrou possuir uma forma muito peculiar de trabalhar, cuja organização e atenção aos pequenos e grandes pormenores, acabariam por surpreender os seus pares pela positiva.

Neste seu regresso à “Colectividade-Mãe” do Associativismo Almadense, graças ao seu espírito de iniciativa e às suas diligências, a Incrível teve a honra de contar com a presença do Presidente da República, Jorge Sampaio, nas Comemorações do século e meio de vida da nossa Colectividade. Jorge Sampaio já conhecia um pouco da nossa história, que não se limitava ao território almadense. E foi também por isso que além de nos honrar com a sua presença, o Presidente da República condecorou a Incrível Almadense com a Ordem da Liberdade, realçando o nosso papel enquanto instituição colectiva democrática, mesmo durante a ditadura.

E o Carlos não mais parou de trabalhar em prole da Incrível.

Quem colaborou com o Carlos Guilherme percebeu que ele era sobretudo, um “fazedor de coisas”. Foi desta forma que organizou o espólio fotográfico e documental da Colectividade, participando ainda de forma activa em diversas homenagens a Gente Incrível. Recolheu documentos de grande importância e foi ainda coordenador e co-autor de três importantes livros sobre a história Incrível (“Na Viragem do Milénio, 160 anos Incríveis”, “A Incrível e a Poesia Através dos Tempos, 1884-2012”; “António Henriques, o Associativista e Historiador de Almada e das suas Colectividades, 1915-2015”).

No ano em que se comemorou o centenário do nascimento de António Henriques (2015), foi a pedra basilar das várias iniciativas que se realizaram em homenagem a esta figura cimeira da história Incrível, deixando visível o amor, a honra e o orgulho que sentia em ser filho de uma das maiores figuras da história da Incrível.

Além da participação no dia-a-dia da Incrível e do Associativismo Almadense, foi ainda um colaborador assíduo das actividades culturais da Associação 25 de Abril. Neste seu espaço de convívio e de amizade com muitos camaradas de armas, que, tal como ele, tiveram um papel activo no período revolucionário e também na consolidação da democracia no nosso país, voltava a ser o Sanches de Almeida...

Já em pelo século XXI ajudou a criar a “Tertúlia do bacalhau com grão” com três amigos (o Chico, o Orlando e o Luís), no Restaurante Olivença. Tertúlia aberta a outros companheiros, que chegaram a ser uma dúzia e onde se falava de tudo o que lhes apetecia, embora a Incrível e a História de Almada estivessem sempre presentes na mesa. E como ele gostava de frisar, com a sua ironia tão peculiar, que naquelas mesas “nunca se dizia mal de ninguém”…

Era também esta maneira de ser, muito singular, que tornava o Carlos Guilherme especial e nos deixa uma saudade imensa, quando o recordamos a nosso lado…»


11/01/23

Uma Duplicidade que Nasce Hoje...


Carlos Guilherme, o filho de António Henriques, deixou-nos no dia 8 de Janeiro.

Embora esteja longe de ser uma boa notícia, pode acabar por ter um papel importante na mudança de paradigma deste blogue, que até poderá ganhar "uma nova vida". 

O que queremos dizer, é que vamos tentar que passe a existir por aqui, uma quase "duplicidade", ou seja, o blogue passa a ser do António Henriques, mas também do seu filho, Carlos Guilherme.

Em vez de homenagearmos um grande almadense, passamos a homenagear dois grandes almadenses. 

Tudo indica, que ficaremos todos a ganhar.

(Fotografia do Arquivo Histórico da Incrível Almadense )