Foi publicada este mês no boletim, "O Incrível", a biografia de Carlos Guilherme Sanches de Almeida, da autoria de Luís Milheiro intitulada: Carlos Guilherme:
um “Capitão de Abril” Verdadeiramente Incrível, que publicamos com a devida referência.
«Carlos Guilherme
Sanches de Almeida deixou-nos no começo do ano, a 8 de Janeiro, depois de ter
passado os seus últimos anos de vida afastado da sua Incrível e dos seus amigos,
por motivos de saúde. Para tristeza sua e de todos nós.
Embora quase toda
a gente o conhecesse por Carlos Guilherme, na Incrível era normalmente tratado como
“Coronel”, a patente militar que tinha, quando se reformou do Exército. Este
tratamento também se devia à forma muito “sui-generis” como comunicava e expressava
a amizade que sentia, por todos aqueles que considerava amigos.
Filho de António
Henriques, músico, dirigente, historiador e o grande guardador de memórias da nossa
Colectividade, Carlos cresceu com a Incrível de presente no seu dia-a-dia, ao
ponto de Ela quase poder ser confundida com uma “religião”. Esta forma de
sentir e de viver a Incrível, não só era normal nessa época, como era partilhada
por todos aqueles que se sentiam verdadeiros Incríveis.
Ainda na
adolescência Carlos descobriu o andebol e o Almada Atlético Clube, onde
acabaria por se destacar como atleta, chegando em pouco tempo à equipa
principal do Clube. O Almada passou a ser o seu “mais que tudo” no
associativismo almadense, ao mesmo tempo que a Incrível era relegada para um
plano secundário. Seguindo o exemplo de outras grandes figuras do clube, além
de atleta, Carlos foi também treinador e dirigente deste baluarte desportivo da
Cidade.
Depois de concluir
os estudos secundários candidatou-se, com êxito, à Academia Militar, onde o
Carlos Guilherme foi rapidamente substituído pelo Sanches de Almeida. Esta sua
opção pela vida militar faz com que apanhasse a Guerra Colonial pelo meio e tivesse
de combater na então “África portuguesa”. Anos mais tarde, consciente da
situação política que se vivia em Portugal, aderiu ao Movimento dos Capitães. Quando
se deu a Revolução de Abril estava em Angola, a completar mais uma comissão de
serviço. Devido ao começo de uma guerra civil, que se prolongaria no tempo, ficará
mais tempo do que o previsto em África, acabando por ter um papel importante na
“ponte aérea” que se fez, para trazer de volta uma boa parte dos portugueses
que viviam nesta colónia, a caminho da independência.
Todas estas
mudanças de rumo na sua vida, provocariam um afastamento, quase natural, da
Incrível. Afastamento que acabaria por se prolongar no tempo. Seriam quase
trinta anos de ausência…
Só em 1991, com a publicação
e apresentação do primeiro dos oito volumes publicados sobre a História da
Incrível (“A Incrível no Limiar dos 150 Anos”) da autoria de seu pai, António
Henriques, é que Carlos Guilherme regressou à Incrível, ainda que de uma forma episódica….
Felizmente em 1998
iriam ser comemorados os 150 anos de vida da Incrível Almadense e esta data
festiva acabaria por se revelar decisiva para o regresso, cada vez mais
efectivo, do Carlos à sua Incrível. Isso só foi possível graças a Orlando
Laranjeiro. O Orlando quando foi escolhido para coordenar as Comemorações,
lembrou-se dele e da sua herança familiar, fazendo questão de contar com a sua
presença na Comissão das Comemorações dos 150 anos da Incrível.
Felizmente para
todos nós, Carlos Guilherme não se limitou a ser o “filho de António
Henriques”. Foi ele próprio. Demonstrou possuir uma forma muito peculiar de
trabalhar, cuja organização e atenção aos pequenos e grandes pormenores, acabariam
por surpreender os seus pares pela positiva.
Neste seu regresso
à “Colectividade-Mãe” do Associativismo Almadense, graças ao seu espírito de
iniciativa e às suas diligências, a Incrível teve a honra de contar com a
presença do Presidente da República, Jorge Sampaio, nas Comemorações do século
e meio de vida da nossa Colectividade. Jorge Sampaio já conhecia um pouco da
nossa história, que não se limitava ao território almadense. E foi também por
isso que além de nos honrar com a sua presença, o Presidente da República
condecorou a Incrível Almadense com a Ordem da Liberdade, realçando o nosso
papel enquanto instituição colectiva democrática, mesmo durante a ditadura.
E o Carlos não
mais parou de trabalhar em prole da Incrível.
Quem colaborou com
o Carlos Guilherme percebeu que ele era sobretudo, um “fazedor de coisas”. Foi
desta forma que organizou o espólio fotográfico e documental da Colectividade,
participando ainda de forma activa em diversas homenagens a Gente Incrível. Recolheu
documentos de grande importância e foi ainda coordenador e co-autor de três
importantes livros sobre a história Incrível (“Na Viragem do Milénio, 160 anos
Incríveis”, “A Incrível e a Poesia Através dos Tempos, 1884-2012”; “António
Henriques, o Associativista e Historiador de Almada e das suas Colectividades,
1915-2015”).
No ano em que se
comemorou o centenário do nascimento de António Henriques (2015), foi a pedra
basilar das várias iniciativas que se realizaram em homenagem a esta figura
cimeira da história Incrível, deixando visível o amor, a honra e o orgulho que
sentia em ser filho de uma das maiores figuras da história da Incrível.
Além da
participação no dia-a-dia da Incrível e do Associativismo Almadense, foi ainda
um colaborador assíduo das actividades culturais da Associação 25 de Abril.
Neste seu espaço de convívio e de amizade com muitos camaradas de armas, que,
tal como ele, tiveram um papel activo no período revolucionário e também na
consolidação da democracia no nosso país, voltava a ser o Sanches de Almeida...
Já em pelo século
XXI ajudou a criar a “Tertúlia do bacalhau com grão” com três amigos (o Chico, o
Orlando e o Luís), no Restaurante Olivença. Tertúlia aberta a outros companheiros,
que chegaram a ser uma dúzia e onde se falava de tudo o que lhes apetecia,
embora a Incrível e a História de Almada estivessem sempre presentes na mesa. E
como ele gostava de frisar, com a sua ironia tão peculiar, que naquelas mesas
“nunca se dizia mal de ninguém”…
Era também esta
maneira de ser, muito singular, que tornava o Carlos Guilherme especial e nos
deixa uma saudade imensa, quando o recordamos a nosso lado…»